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Trabalho voluntário no Quênia: minha experiência em uma organização de mulheres com HIV positivo

A Living Positive acolhe mulheres afetadas pela doença em situação de vulnerabilidade social em Ngong, área mais rural próxima à capital Nairóbi.
A Living Positive acolhe mulheres afetadas pela doença em situação de vulnerabilidade social em Ngong, área mais rural próxima à capital Nairóbi.

Neste post, irei relatar como foi a minha experiência fazendo trabalho voluntário no Quênia, especificamente na Living Positive, uma organização social com sede em Ngong, na área rural da capital Nairóbi.

Nota inicial: Antes de mais nada, quero já deixar claro que muito se mistura o conceito de trabalho voluntário com work exchange, que nada mais é do que um escambo (troca de bens ou serviços sem envolver dinheiro). O voluntariado, portanto, que irei falar aqui é a atividade de interesse social e comunitário, sem nenhum fim lucrativo, de maneira a ajudar o próximo e buscar um mundo mais justo e igualitário.

Nota inicial 2: desfoquei o rosto de todas as pessoas nas fotos pois se trata de crianças ou pessoas em situação de vulnerabilidade social e a intenção não é identificá-las ou expô-las e, sim, apenas ilustrar o relato para vocês que aqui estão lendo o conteúdo.


living positive quênia
A Living Positive é uma organização social em Ngong, no Quênia (Foto: Jessica Mello/Arruma Essa Mala)

Em maio de 2016, viajei para o Quênia e voluntariei na Living Positive, uma organização social que atua em Ngong, uma área mais rural próxima à capital Nairóbi.

Essa organização foi criada em 2006 pela Mary, ou “Mom” (mãe, em inglês), como ela é chamada. A Mom era uma assistente social que trabalhava em um orfanato onde as crianças que lá estavam eram filhas de mães com HIV positivo. E elas estavam lá porque, ou as mães já haviam morrido, ou estavam muito debilitadas para cuidarem das crianças.

Depois de vários anos trabalhando assim, a Mom viu que essa fórmula estava errada. Que era preciso trabalhar para recuperar essas mães. Para que não fosse preciso existir órfãos. Assim, a Mom criou a Living Positive, um lugar para acolher mulheres com HIV positivo, recuperá-las fisicamente e, principalmente, mentalmente, dando também apoio financeiro.

O Quênia é um dos países com maior índice de órfãos no mundo. São cerca de 700 novas crianças órfãs por dia, segundo a organização Light Up Hope. É estimado que exista cerca de 3 milhões de órfãos no Quênia, sendo 47% deles em virtude do HIV e da Aids.

Um pouquinho sobre o Quênia

Antes da gente entrar também no que exatamente a Living Positive faz, é preciso explicar um pouquinho do contexto do Quênia. Embora o panorama do HIV no país tenha melhorado nos últimos anos, ainda é um problema muito sério por lá. Na década de 90, por exemplo, o governo não dava tratamento gratuito. Então as pessoas simplesmente morriam. Aos poucos isso foi mudando e, hoje, quem é HIV positivo pode procurar, gratuitamente, pelos remédios no sistema de saúde público deles.

Além disso, o país é extremamente machista.

E aí entra o problema das mulheres. Embora isso também já tenha melhorado um pouco, ainda rola muito preconceito e desinformação com a mulher HIV positivo. Especialmente a mulher pobre, da favela.

O HIV ainda é visto como uma doença de prostituta. E ser prostituta lá é algo muito, mas muito sério. É crime. Então, o que costumava e costuma ainda acontecer: homens saem das suas casas, traem suas mulheres, contraem HIV, voltam para casa, transam com suas mulheres, transmitem o HIV. A mulher passa a ficar debilitada, doente. Vai ao médico. Descobre que é HIV positivo. O marido a acusa de ter traído ele. A acusa de ser prostituta. A expulsa de casa. E manda levar os filhos junto. E some da vida dessa mulher e dessa família.

A mulher, pobre, muitas vezes sem profissão, sem renda, doente e com filho pra cuidar, faz o que? Isso fora toda a humilhação constante, porque a boataria se espalha, né.

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O que a Living Positive faz?

A primeira ação é como se fosse uma terapia. Para recuperar mentalmente essa mulher. Muitas, tamanha a pressão e o preconceito da sociedade, tentam se matar. A família as rejeitam. Tem mulher que o vizinho põe fogo na casa. Com ela dentro.

Esse primeiro momento não tem um período específico de duração. Depende do trauma da mulher e de como ela vai reagir a isso. Tem mulher que se aceita mais rapidamente. Outras demoram bem mais. E a aceitação é basicamente entender que ela não é o demônio encarnado na terra por ser HIV positivo, que ela não é tudo aquilo de ruim que as pessoas falam e pensam dela. E que a vida dela, sim, vale muito.

Depois, elas podem entrar no WEEP Project, que significa Programa de Empoderamento Econômico da Mulher, traduzindo do inglês. São três fases, cada uma com duração de seis meses.

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Mulheres da Living Positive no WEEP Project (Foto: Jessica Mello/Arruma Essa Mala)

A primeira é uma conscientização médica, de saúde, sobre o HIV. Muitas mulheres, por exemplo, param de tomar os remédios, porque acham que vão morrer assim mesmo e que aquilo não vai adiantar nada. Tem mulher que tem vergonha de tomar o remédio. E por aí vai. Então é basicamente um acompanhamento para que essas mulheres realmente se cuidem e tratem a doença.

A segunda fase é o aprendizado de algum talento, para que elas possam criar um negócio ao saírem de lá e terem seu próprio sustento, sem depender mais de homem. De maneira geral, talentos são mais relacionados a artesanato (velas, rede para mosquitos, roupas…) e culinária.

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A Living Positive também tem um daycare para cuidar e dar educação a crianças (Foto: Jessica Mello/Arruma Essa Mala)

Por fim, essas mulheres fazem aulas de business e economia. O objetivo é montar um plano de ação para o seu negócio.

Paralelo a isso, a organização mantém outras duas ações, essenciais para que essas mulheres possam estar o dia inteiro dedicadas inteiramente a isso. A primeira delas é o daycare (uma creche), que acolhe a/os filha/os dessas mães e também outras crianças da favela de Ngong que passam pelos mesmos problemas familiares. Lá tem sala de aula, biblioteca, parquinho onde elas brincam…

A outra é uma pequena fazenda, com plantação de verduras e criação de peixes, coelhos e galinhas, que serve para alimentação diária das mulheres no programa.

Mas então, onde entrou o voluntariado no meio disso tudo?

Quando eu fui fazer trabalho voluntário no Quênia, sete mulheres estavam no programa. A organização não tem capacidade, especialmente financeira, de acolher mais mulheres por vez.

No primeiro dia então, todos nós – eu, meu namorado e nove canadenses – nos apresentamos. Falamos um pouco de cada um de nós e porque estávamos lá. Nos próximos dias, nós conhecemos a casa de todas as sete mulheres. Lá, elas nos contaram suas histórias. Isso é uma iniciativa da Living Positive para ajudar no processo de aceitação. Elas conseguirem contar para outras pessoas o que elas viveram. No fim, a gente sempre dividia elogios, palavras de apoio e muitos abraços.

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Galinhas do projeto de ‘fazenda’ da Living Positive (Foto: Jessica Mello/Arruma Essa Mala)

Muito choro também. Porque, olha, o que essas mulheres viveram não é fácil, não. É violência, agressão, estupro, abuso, casamento forçado, tentativa de homicídio, abandono… Só para vocês terem uma ideia: uma dessas mulheres foi estuprada. Aos oito anos. Pelo vizinho. Porque ela tava com fome e foi pedir um pouco de comida. Oito anos.

Nós fomos dois dias no daycare também para brincar com as crianças. Outros quatro dias nós ficamos na fazenda, ajudando na reforma de um galinheiro. No último dia, por iniciativa dos canadenses, nós levamos as mulheres para passear na Masai Land. Masai é uma das várias tribos que existem no Quênia. E o lugar nada mais era do que um dos espaços rurais, digamos assim, que alguns integrantes dessa tribo moravam.

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Passeio com as mulheres da LP a Masai Land (Foto: Jessica Mello/Arruma Essa Mala)

E por que fazer essa pequena “viagem”? Porque essas mulheres basicamente só conhecem o seu trajeto casa-Living Positive-daycare-hospital. Foi um dia especial pra caramba.

Na Living Positive elas também têm uma lojinha, onde comercializam produtos que elas fazem durante o período do WEEP Project. Tem de tudo, bijuteria, roupa, bolsa, adereços decorativos pra casa, porta copo, postais… O dinheiro que vem dessa venda é repartido igualmente entre as mulheres do programa atual, para ajudar elas a se manterem nesse um ano e meio de projeto.

Eu trouxe algumas bijus, uma bolsa, porta-copos, chaveiros, dois elefantinhos decorativos para casa e mais algumas coisinhas que mostrei no vídeo abaixo, que está no canal do Arruma Essa Mala no Youtube.

Confira mais informações no vídeo do Arruma Essa Mala 👇

Poderia escrever muuuito mais sobre o quanto foi incrível ter conhecido esse projeto durante meu trabalho voluntário no Quênia e essas mulheres maravilhosas. Mas acho que já consegui passar um pouquinho da mensagem.

Acho que é legal também para vocês verem que o voluntariado pode funcionar de várias formas. Não necessariamente vai ser só “botar a mão na massa” mesmo. Às vezes, só escutar e dar carinho e respeito a alguém é algo muito legal. Pense nisso pro seu dia a dia aqui no Brasil ou onde for também 💜

Para quem quiser e puder ajudar, esse é o site da Living Positive: https://www.instagram.com/lpkenya/. Atualmente, o site está fora do ar. Então o melhor é tentar entrar em contato pelo Instagram (onde sempre divulgam as vaquinhas, campanhas, etc). Elas sempre precisam de ajuda financeira por lá e aceitam doações em qualquer valor.

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